Gorillaz: uma história de crime e castigo
Por Luciana Moretti
Postado em 06 de abril de 2006
Seria apenas mais um entediante dia de expediente na loja de instrumentos musicais Uncle Norms Organ Emporium, em Crawley, Inglaterra, onde trabalha Stu-Pot, um jovenzinho de cabelos azuis, com uma verdadeira obsessão por teclados. Mas não muito longe dali, o baixista autodidata Murdoc Niccalas planejava assaltar o estabelecimento, a fim de conseguir um sintetizador para formar uma banda de sucesso e, com isso, dominar o mundo. Um motivo nobre, não? Talvez tudo tivesse dado certo, não fosse a surpreendente habilidade que Murdoc tinha ao volante de um Vauxhall Astra caindo aos pedaços. "Sem querer", atravessou a vitrine da loja, batendo em cheio em Stu-Pot, arremessando-o contra a parede oposta (uau, que emoção). Stu fraturou um globo ocular e se transformou num vegetal, fadado a viver em coma por toda a vida. Preso em flagrante e atuado por direção perigosa, tentativa de assalto e outras "cositas más", Murdoc é condenado a prestar 30 mil horas de serviços comunitários e também a cuidar de Stu-Pot, que agora não consegue sequer juntar duas palavras, algumas horas por semana.
HÁ MALES QUE VEM PARA O BEM
Um belo dia, Murdoc acorda feliz e disposto a levar seu paciente Stu-Pot para dar um "emocionate" passeio de carro. No meio do passeio, outra vez, "sem querer", Murdoc dá aquela freada espetacular e o pobre Stu é lançado sem dó nem piedade (e nem cinto de segurança...) no meio-fio. Vamos logo ao resultado: fraturou o outro globo ocular, mas em compartida recuperou a atividade cerebral, apesar de ter perdido a memória. Bem, não se pode ter tudo neste mundo... Agora, o que Murdoc tem nas mãos? Um sujeitinho doce que simplesmente o idolatra, achando que Murdoc tinha salvado sua vida (inocente...), e que é fera em teclados e, além de tudo, tem uma bela voz. Em que Murdoc pensa? Isso mesmo! Ele resolve chamar Stu para o posto de vocalista daquela banda que tinha em projeto. Stu-Pot aceita e Murdoc aproveita a deixa e rebatiza seu vocalista com o nome de 2-D.
UMA "MÃOZINHA" DO ALÉM
Depois de venderem o que sobrou da loja e reformarem o carro que também recebeu um nome, Geep, eles começaram a "viajar pelos planetas" em busca de outros membros para a banda. Numa parada rápida para reabastecer o estoque de CDs, eles entraram numa loja de discos e enquanto 2-D se diverte "rodando os olhos" pelo local, Murdoc encontra agachado num canto um grandalhão moreno chamado Russel. Conversa vai, conversa vem, Murdoc descobre que Russel é americano e que quando mais jovem foi possuído por demônios, ficando em coma por longos quatro anos até que um belo exorcismo o salvou. Ele, então, se mudou para Brooklin High, onde fez amizade com um grupo de músicos, entre eles rappers e DJs. Parecia que o hip-hop salvara sua alma. Porém, a alegria durou pouco: Russel e seus amigos passaram no meio de um fogo-cruzado (tá, um tiroteio se assim preferirem...) e como conseqüência todos morreram, com exceção de Russel, que entrou em estado de choque. Mas não termina por aí sua história: os espíritos de seus amigos invadiram o corpo do grandalhão Russel, que se transformou num tremendo fera em bateria e hip-hop. Preocupados, os familiares do rapaz resolveram se mudar para a velha Inglaterra, em busca de uma vida mais tranqüila. Pelo visto, não deu muito certo. Murdoc ficou encantaddo com o que viu e ouviu e chamou Russel para entrar na banda como baterista, e (acreditem se quiserem) os espíritos que dividiam o corpo do grandalhão para fazer backing vocals. Todos toparam.
KARATÊ E GUITARRAS. POR QUE NÃO?
Tudo estaria certo se não fosse por um mero detalhe: ninguém sabia tocar uma mísera guitarra. E qualquer banda de rock que se presze precisa no mínimo de um guitarrista virtuoso. O grupo resolve então colocar um anúncio num jornal, procurando por um guitarrista. Não precisaram esperar muito: no mesmo dia, chegou uma curiosa encomenda de Osaka, Japão. Afoitos, abriram o pacote e de lá de dentro, saltou uma japonesinha que, com certeza, não tinha mais de 10 anos, falando um punhado de palavras incompreensíveis. Numa das mãos, ela trazia uma guitarra Les Paul e em questão de minutos detonou o instrumento com o solo mais maneiro que eles já tinham ouvido e terminou seu showzinho com um golpe de karatê. Os três ficaram de boca aberta, sem conseguir articular nenhum som. Tinham acabado de encontrar sua guitarrista. O nome dela? Bom, ficou sendo a única palavra que ela sabia falar em inglês: Noodle.
MEU CARO, PENSO QUE TEMOS UM PROBLEMA AQUI
O NOME. Esse pequeno detalhe já foi a pedra no sapato de várias bandas famosas, e com os jovens Murdoc, 2-D, Russel e Noodle não foi nem um pouco diferente. Vieram sugestões atrás de sugestões, mas nenhuma agradou aos integrantes. Eles tinham algo para pensar e, numa noite em que os quatro quase fundiram o cérebro tentando encontrar o nome adequado, foram todos para a cama frustrados. 2-D tem então um aterrorizante pesadelo: estavam, ele e os outros integrantes da banda, num sombrio cemitério, sendo perseguidos por enormes gorilas azuis de dentes quebrados. Assustado, ele acordou gritando para quem quisesse ouvir: "Gorillaz!!!" Todos adoraram a involuntária sugestão do vocalista e assim ficou. Já como Gorillaz eles assinaram seu primeiro contrrato e partem para ganhar a Inglaterra. E, depois, o mundo.
IDÉIAS SIMPLES, PROJETO ARROJADO
É curioso como as coisas acontecem... Ambos, Damon Albarn, o vocalista boa-pinta da banda Blur, e seu amigo, o desenhista Jamie Hewlett, estavam levando uma vida de farras, com festas que viravam a noite. Até que um dia, num rompante de criatividade, resolveram ocupar seu tempo ocioso fazendo algo de útil para o mundo. Então, criaram The Gorillaz.
A PRODUÇÃO
Era uma idéia simples, enquanto Damon ficava rascunhando o que seriam as músicas de sua banda de mentira e batucando em uns tambores velhos para criar o que ele costumava chamar de "hip-hop puro, batidas de reggae e música latina". Jamie começou a desenhar o que seriam os integrantes da banda e ele garante que não se inspirou em ninguém. Mas o projeto foi além de meia dúzia de canções e um ou outro esboço. Damon reuniu alguns contatos e Jamie começou a preparar o site oficial da banda, que seria o principal meio de divulgação do grupo.
O PRIMEIRO ÁLBUM
Logo, The Gorillaz saiu do papel e entrou em estúdio. Damon, juntamente com uma senhora equipe, que incluiu o produtor de hip-hop Dan "The Automator" Nakamura, a guiotarrista/vocalista Miho Hatori do grupo Cibo Matto, o mestre da velha escola do hip-hop, DJ e produtor Kid Koala e o rapper californiano Del Tha Funkee Homosapien criaram o que poderia parecer apenas uma inocente brincadeira entre amigos e acabou por se tornar a maior inovação no mundo do showbiz dos últimos tempos. As gravações foram arrojadas, rolaram na Inglaterra, nos Estados Unidos e na Jamaica, contando inclusive com a participação do cantor cubano Ibrahim Ferrer na faixa 'Latin Simone'. A participação de Ferrer foi bastante curiosa: segundo o próprio Albarn, o músico "apareceu no estúdio e bebeu uma garrafa de Jack Daniel's; eu também bebi uma garrafa e 'desmaiei' no canto, ouvindo um dos maiores cantores de hoje". Esse foi o clima que rolou na gravação do primeiro álbum da banda, cuja a idéia central sempre fora a mesma: divertir e fazer boa música.
FATOS E BOATOS
No começo, Damon e a equipe até conseguiram disfarçar quem estavam por trás da empreitada, mas logo, como tudo no mundo do pop, boatos começaram a se espalhar e foram ganhando cada vez mais força. Não teve jeito, eles acabaram admitindo a participação no Gorillaz. Sem falar que, por quanto tempo o vocalista do Blur iria conseguir enganar os fãs com sua inconfundível voz? Começou então um novo boato, que a banda virtual não passava de um Blur de desenho animado. Aha.... Não mesmo. A banda é uma novidade tão constante que seus quatro integrantes até parecem ter vida própria. De fato, uam certa vez os próprios criadores admitiram: "Acreditamos que a banda é real. Eles são reais para nós. Nós nem estamos mais escrevendo os diálogos deles. Eles é que estão por aí, fazendo isso." E os caras do Gorillaz têm uma diferença enorme de seus concorrentes arrumadinhos e perfumados do mundo pop. É uma banda conceitual, com seu som variado de hip-hop, garage rock e indie, tudo misturado e temperado com a magia do cartoon. Perfeito. Único. Incrível.
SUCESSO ATERRADOR
Com toda essa mistura de estilos, Gorillaz, o CD, acabou saindo e o que poderia parecer apenas uma tentativa de inovar, como tantas outras bandas, se tornou um sucesso e estourou nas paradas da Inglaterra com seu primeiro single 'Clint Eastwood', que é aquele tipo de música que gruda na sua cabeça e te deixa cantarolando o dia todo, com a pequena diferença que desta vez a canção é boa e digna de elogios, mesmo se tratando de um gênero tão repetitivo e sem sal como é o pop de hoje. 'Clint Eastwood', uma excelente mistura de reggae, hip-hop e pop-rock, é definida pela banda como 'hip-hop zumbi', seja lá o que queiram dizer com isso. O clipe, também desenhado por Jamie Hewlett, foi dirigido por Pete Candeland e virou sensação em toda Europa, concorrendo ao prêmio de Videoclipe Revelação no Video Music Awards, com direito a versão em videogame, que pode ser conferido no site oficial da banda, www.gorillaz.com. Ainda sobre o CD, é curioso notar que ele é bastante "interativo". Para começar, existe uma canção escondida, é o remix de "Clint Eastwood", que começa logo após o término da última música "19-2000" (também em versão remix), aos 8:26 minutos, além de papéis de parede e protetores de tela. E não termina aí, no CD vem o link de acesso do "Murdoc's Winnebago". É preciso conseguir uma chave de acesso num site, cujo endereço você encontra no final da animação que vem no álbum. Lá, então, você fará o download de um arquivo e assim estará pronto para entrar no "Murdoc's Winnebago". Curiosamente, na versão japonesa, só há as 15 primeiras músicas, deixando de fora as versões remix.
LUZES, CÂMERA, AÇÃO!
Em março de 2002, Jamie Hewlett, o desenhista oficial e um dos fundadores do grupo, concedeu uma entrevista a Billboard e disse que o filme animado sobre os Gorillaz já está sendo feito. "Será um filme bastante sombrio, talvez com canibais e zumbis. Acho que vai se chamar 'Celebrity Harvest'...". E o segundo álbum do Gorillaz será justamente a trilha sonora do filme, é claro. Enquanto o filme e esse novo álbum não saem, os fãs podem se contentar com G-Sides, uma coletânea de remixes e lados B de singles, que foi lançado em fevereiro de 2002 e pode ser encontrado em lojas de CDs importados (às vezes em lojas comuns). Se é Gorillaz, já vale a pena. Pode-se confiar neles para fazerem um trabalho classe A.
[an error occurred while processing this directive]OS BASTIDORES DO PROJETO
Desenhos e Cartoons: Jamie Hewlett, também é responsável pelo projeto gráfico dos videoclipes e pelo site oficial do grupo. Vocalista e voz do 2-D: Damon Albarn (vocalista da banda Blur). Produtor da banda: Dan "The Automator" Nakamura, e o rapper Del Tha Funkee Homosapien (também o vocalista). Voz do Murdoc: o cubano Ibrahim Ferrer (do Buena Vista Social Club). Voz da Noodle/guitarra: Miho Hatori (do grupo Cibo Matto). Voz do Russel: Cris Frttantz (ex-Talking Heads e Tom Tom Club, também faz backing vocals). Backing Vocals: Tina Weymouth (ex-Talking Heads e Tom Tom Club).
Receba novidades do Whiplash.NetWhatsAppTelegramFacebookInstagramTwitterYouTubeGoogle NewsE-MailApps