Raimundos: "Quem está mal é o Brasil, não o rock", diz Digão
Por Flávio Fogueral
Fonte: Notícias Botucatu
Postado em 24 de março de 2018
Remanescentes da cena hardcore brasileiro dos anos 1990, os Raimundos alcançaram o sucesso pela audácia: com mistura do peso do rock com ritmos nordestinos como o baião presente em seus primeiros trabalhos; além de ironizar outros estilos como o pagode e o sertanejo, que concorriam diretamente com o Brock.
A audácia das letras das composições, por vezes, beiravam a subversão. Afinal, a inspiração do grupo formado originalmente por Rodolfo (vocal), Digão (guitarra e vocal), Canisso (contrabaixo) e Fred (bateria) vinha do punk. Fãs do estilo, e, principalmente da banda Ramones - de onde o nome seria originado -, os quatro de Brasília iniciaram a carreira já no auge do rock brasileiro, em 1987. De palco em palco, a história da banda foi tomando forma desde separações ao sucesso passando, primeiro, pelo cenário underground brasileiro.
Retomando o espaço perdido após as turbulentas separações e a saída de Rodolfo Abrantes (o baixista Canisso também deixou a banda nos anos 2000, mas entre idas e vindas, está com o grupo) os Raimundos têm apostado em novas experimentações de mercado como a divulgação pelas mídias sociais, parcerias com outras bandas (o disco Ultraje a Rigor X Raimundos, onde as duas bandas tocam composições uma das outras) e até um álbum acústico, lançado em 2017, e que foge da sonoridade pesada da origem underground.
Sem medo do politicamente correto, a banda destilou a ferocidade e o sarcasmo de suas composições: desde músicas da era Rodolfo Abrantes, como "Eu quero ver o oco", "Selim", "Puteiro em João Pessoa", "Mulher de Fases" e tantas mais; aos mais recentes trabalhos com os vocais de Digão. Ou seja, um show com a ironia do começo da carreira ao rock mais adulto, pesado e analítico da atual formação. E com os vocais de Digão e o baixo cru e provocativo de Canisso- os dois membros remanescentes da banda mandaram seus recados a quem esteve no 1º Rock in Btu, realizado em 11 de março.
Com oito álbuns de estúdio e quatro registros ao vivo lançados, muita coisa mudou na trajetória da banda. Para Digão, o estilo voltou para suas origens. Em entrevista, o vocalista/guitarrista, ressalta sua indignação ao afirmar que é ignorância achar que o rock morreu, só porque o estilo não está mais quebrando a "barreira das AM, FM e do elevador", parafraseando a letra de "A Mais Pedida", onde ironizam o sucesso instantâneo.
Digão é categórico ao afirmar que o rock tem sido deixado de lado por ser contestador e isso, para o artista, é algo que os "comandantes" do país não querem. Para ele, há uma busca pela alienação da juventude com arte de fácil consumo. Afinal, "quem está mal é o Brasil, não o rock", avalia o roqueiro.
Notícias Botucatu- Digão, recentemente você disse em uma entrevista ser ignorância achar que o rock, principalmente o brasileiro, acabou. O que motivou esse desabafo?
Digão- Cara, "eles" estão tentando "matar" o rock há anos. E o rock não morreu. O que acontece é que sempre aparecem estes ritmos, as modas, fazendo com que o rock volte para onde é a sua essência: o underground. O som está ali, rolando a todo momento. Prova disso é o Rock in Rio, por exemplo. Quais são as datas (do festival) em que os ingressos esgotam primeiro? É a do rock. Essa história de que o rock morreu é algo que tentam colocar na cabeça da galera, mas o estilo está vivo porque é contestador e bota o dedo na ferida. Isso é algo que os "comandantes" não querem, uma música contestadora, porque querem todos alienados. É só uma questão de tempo. Quem está mal é o Brasil, não o rock".
NB- Mesmo com essa perda de espaço do rock brasileiro nas rádios e emissoras de televisão, a agenda dos Raimundos na turnê do "Raimundos Acústico" está lotada este ano e prioriza as cidades do interior do país. Esse é o caminho para a banda?
Digão- Não. São os shows que estão rolando. A gente não comanda muito isso, vamos fazendo as apresentações conforme surgem os interesses. Está difícil de fazer por causa do Brasil com essas modas e danças esdrúxulas, que fazem parte de uma indústria. Mas tem um país grande com bandas legais, mas realmente não há espaço nas rádios, na mídia tradicional. Então é na internet que encontramos o público. Nosso público não está assistindo TV aberta; nosso fã está no Spotify (e outros serviços de streaming) e é isso que interessa.
NB- Mas os Raimundos despontaram em uma época em que era preciso estar no rádio e na televisão para fazer sucesso ao grande público. Era preciso estar com as músicas nas rádios. Hoje, nem tanto. Como artista que passou por estas mudanças, além de lançar um álbum para download gratuito (Ep Pt Qq cOisAh, de 2005) como avalia este novo panorama, reforçado pelos serviços de streaming?
Digão- Estamos em vanguarda total. Temos uma empresa, nossa assessoria está em mídias sociais e estamos focando totalmente nisso. Deixamos os velhos caminhos de lado pois está ficando muito caro ter assessoria disso ou daquilo. É mais vantajoso ter uma internet bombando, com muita interação e conteúdo. Acompanhamos a tecnologia e o futuro é esse e vem dando fruto.
NB- Por falar em acompanhar as mudanças, vê-se o crescimento do discurso do politicamente correto. As letras de muitas músicas dos Raimundos prima pela ironia, escracho e até provocações. Ou seja, mantêm características de uma época em que a reação era menor. De que forma a banda lida com essa situação, em se apresentar com letras que subvertem o politicamente correto?
Digão- Naquela época existia uma censura muito grande e os Raimundos foram meio que uma "ruptura". A gente enfiou a mão no pote de mel e se esbaldou. Rolou aquela abertura (a redemocratização do país no final dos anos 1980 e o fim da censura, em 1988) mesmo e aproveitamos. Mas os Raimundos é uma banda que sempre teve hora e lugar. Não somos uma banda que tocava palavrão às duas da tarde e tira as crianças da sala (o artista ri). Com exceção de Selim, que nem foi uma estratégia nossa, foi algo que aconteceu aquém da nossa estratégia de lançamento. Os Raimundos nunca tocaram em emissoras de rádio ou televisão de cunho popular. Nunca as músicas com palavrões estiveram em horário nobre. Sempre teve a hora certa para o público certo. Fomos estourar em rádio mesmo, pra "caralho", com "Mulher de Fases", que não tem palavrão. O que a gente vê hoje, uma galera muito "mi mi mi", politicamente correta e muita hipocrisia. Eu, particularmente, não me importo com essa galera que fica nessa perseguição toda, tornando tudo chato. Estão deixando o mundo deprimido. As pessoas não estão vendo o mal que fazem a elas mesmas, impondo limites ao extremo.
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