Entrevista: confira o bate-papo com o músico, tradutor e escritor Denfire
Por Mário Pescada
Postado em 28 de maio de 2023
DENFIRE é um sujeito inquieto: músico multi-instrumentista, tradutor, escritor, dono da editora que leva seu codinome, já morou em Londres por dez anos, em uma comunidade carente de Paraty/RJ por cinco anos e segue morando hoje em São Paulo.
Em Londres, entre trabalhos diversos, foi o primeiro correspondente internacional da revista Comando Rock, editor de seu próprio portal bilíngue, o Rockonnection, e formou o MISCONDUCTERS, trio que fundia punk, metal e alternativo, junto com outros dois músicos estrangeiros.
De volta ao Brasil, criou a Editora Denfire que completa em 2023 cinco anos de atividades e que já emplacou ótimos livros sobre IRON MAIDEN, MERCYFUL FATE, JUDAS PRIEST, NAZARETH, BLACK SABBATH e DIO, só para citar alguns títulos, muitos do escritor e jornalista canadense Martin Popoff - obras essas até então inéditas no Brasil.
O 80 Minutos através do seu colaborador Mário Pescada foi conversar e conhecer um pouco mais do DENFIRE, um cara que vive o underground há décadas, confira!
Como você descobriu as obras do Martin Popoff e como foram as negociações com ele para lançá-las aqui no Brasil?
Conheci um pouco do trabalho dele como colaborador de sites quando eu morava em Londres. Em 2017, já de volta ao Brasil, li um de seus livros pela primeira vez, o então recém-lançado "Hit The Lights" (nota: livro que conta a história do surgimento do thrash metal). Como gostei bastante, entrei em contato e, após mostrar parte do meu portfólio como correspondente internacional, e conversarmos informalmente sobre música, sugeri traduzir o livro em questão e oferecê-lo à alguma editora brasileira. Ele gostou da ideia, mas após quase um ano inteiro entre tradução e recusas de diversas editoras, precisei notificá-lo de que o projeto parecia não querer vingar. Isso me serviu bem, pois fui estimulado a abrir minha própria editora.
O catálogo dele é imenso, são 115 biografias (!!!) de bandas de rock/metal, algumas já fora de catálogo. A ideia é resgatar os lançamentos mais antigos ou focar nos mais novos?
Pois é, e na época do "Hit The Lights" esta marca era de "apenas" 60 livros lançados, o que mostra o quanto esse campo vingou a seu favor nos últimos anos. Eu adoraria publicar vários livros dele, mas preciso me ater apenas aos que ele lançou de forma independente, porque negociar com editoras gringas fica um pouco fora de mão para alguém do meu porte. Além do mais, dou muito valor a um relacionamento direto com o autor e procuro evitar negociações com empresas que visam o lucro em primeiro lugar.
O mercado editorial brasileiro se abriu de uns cinco anos para cá para lançamentos voltados ao rock/metal, seja por editoras, seja por lançamentos undergrounds. Como é trabalhar com livros desse segmento no Brasil?
É bem difícil, exige muita dedicação. Quase 2/3 dos brasileiros admitem não ter o hábito da leitura, e no meio rock/metal não é diferente. Os oportunistas sempre existirão, mas ao garimpar nessa miríade de lançamentos gourmet, é possível encontrar muito material com conteúdo de alta qualidade, como "Leia No Volume Máximo" de Felipe Senra e a compilação homérica do "No Front Zine" do Aldo Sketch e do Fred - ambos ótimas sugestões suas.
Já conversamos sobre autores/livros que mereciam ser lançados por aqui, como as obras do Greg Graffin (vocalista do BAD RELIGION) ou do Jello Biafra (ex-DEAD KENNDYS, LARD). Quem você gostaria de lançar pela sua editora?
Tenho vários músicos e bandas em mente, mas, parafraseando um leitor da Rock Brigade que foi publicado na seção Headbanger Voice de uma edição dos anos 90: "...não vou falar pra não cair na boca dos boy" (risos).
Além dos livros biográficos, a editora também deu espaço a títulos ligados a música, de alguma forma. De uns tempos para cá, esses lançamentos diminuíram. O que houve? Esse tipo de título não vai mais fazer parte do catálogo da editora?
As biografias vendem mais, enquanto livros de ficção como o "Punk Faction" tendem a encalhar ou sair muito vagarosamente. Tem muita coisa legal de autores underground que eu adoraria publicar, mas preciso manter os pés no chão. Ainda assim, pretendo lançar algo fora do formato biografia toda vez que der uma desapertada no orçamento.
Seu livro, "Offline: Sondando O Underground", reproduz dezenas de entrevistas suas, de 2006 a 2013, com NAPALM DEATH, AMEBIX, CANNIBAL CORPSE, THRASHERA, RATOS DE PORÃO, TIAMAT, JELLO BIAFRA, MASTER, PENTAGRAM, HENRY ROLLINS, TORTURE SQUAD, KREATOR, MASSACRE, URIAH HEEP, BRUTAL TRUTH e muitos outros. Quais lembranças você tem dessa época e, em geral, como foi a experiência de conversar diretamente com essas bandas, muitas das quais você é fã?
Essas entrevistas foram feitas durante o decênio em que morei em Londres e são uma lembrança muito especial para mim. Cheguei lá com 26 anos, e hoje, aos 46, fico muito satisfeito por ter tomado a decisão de explorar uma região que é uma verdadeira meca do rock. Fiz e vi shows em diversas casas icônicas, frequentei lugares repletos de músicos e artistas, morei em bairros cheios de história, enfim, absorvi abundantemente a cultura britânica. Como sempre gostei de ler e escrever, me lancei no mundo do jornalismo musical para cobrir shows e, eventualmente, entrevistar bandas. O credenciamento lá é bem mais fácil do que aqui, então tive acesso a muitos "chiqueirinhos" (a área entre o palco e as barreiras que separam o público da banda), ônibus de turnê e bastidores. Após praticar com entrevistas por escrito, minha primeira "cara a cara" foi com Mark Osegueda e Rob Cavestany (DEATH ANGEL), ambos gente finíssima. Na maior parte, as entrevistas foram boas ou ótimas, e pude conhecer melhor muitos músicos que admirava, além de me inteirar melhor sobre vários aspectos dos ramos da arte e do entretenimento.
Você descreveu sua entrevista com o Lemmy (MOTÖRHEAD) como uma das piores que fez por não estar devidamente preparado e ele estar num baita mau humor. Conta um pouco mais pra gente como foi esse dia, afinal, Lemmy é Lemmy!
Essa entrevista ocorreu em fevereiro de 2009 em Cambridge, pois o credenciamento para o show de Londres já estava esgotado. Apesar de eu ter chegado lá na hora combinada, o empresário disse que o Lemmy estava "num daqueles dias" e precisava de tempo para "melhorar o humor", e achava que isso poderia demorar algum tempo, então o mais sensato seria eu dar meia-volta e deixar pra lá. Como sempre fui um grande fã daquele velho ranzinza e havia me desdobrado para conseguir sair de Londres durante a tarde, fiquei num pub próximo aguardando o empresário tentar sanar a situação, e neguei todos os pedidos de "Por favor, vá embora", que ocorriam a cada 10 minutos pelo celular, até que ele finalmente se rendeu. Uma vez dentro da casa, ainda precisei esperar mais uns 15 minutos próximo da famigerada road crew, que montava o palco, antes de entrar na salinha minúscula na qual o Lemmy se encontrava sozinho jogando uma daquelas máquinas caça-níquel. A olhada que ele me deu assim que entrei já ditou o tom do encontro - ou, pelo menos, a primeira metade. Apertei o REC do gravador, apoiei-o na mesa e saquei as perguntas que eu tinha escrito à mão em tiras de papel. Por ser um grande fã, achei, ingenuamente, que apenas umas colinhas seriam o suficiente para conduzir uma entrevista daquele porte - ao invés de imprimir perguntas bem elaboradas em folhas sulfite, como sempre fizera. Para piorar, como gosto muito mais da fase da banda que vai até 1991, fiquei perguntando sobre fatos antigos e ele sempre se queixava, dizendo que aquilo já tinha acontecido há muito tempo e que não queria responder coisas do tipo. Quando tudo parecia perdido, falamos algo sobre sua performance como baixista e ele começou a ter um surto de autopiedade, e eu simplesmente não acreditei no que estava ouvindo. Eu disse, então, que ele era o Lemmy e que não precisava provar nada a ninguém, etc., e dali em diante ele passou a olhar na minha cara pela primeira vez. A entrevista desandou e não cheguei a fazer nem 1/3 das perguntas, mas pelo menos os ânimos eram outros. Antes de sair, tirei uma foto com ele e rumei para a estação de trem, que ficava a uma boa caminhada de lá. Meia hora depois, o empresário me ligou dizendo que eu tinha esquecido o gravador em cima da mesa. Voltei para pegar e, ao chegar em casa, descobri que o aparelho tinha ficado ligado o tempo todo! Ou seja, tem uns 20 minutos de conversa do Lemmy com o empresário, falando sobre futuros agendamentos, hotéis e camarins específicos... até que o Lemmy diz: "O que é isso? Acho que o menino esqueceu o gravador".
Para conferir o restante dessa entrevista, onde DENFIRE fala dos festivais gringos, de alguns livros lançados pela sua editora, do seu antigo grupo MISCONDUCTERS e muito mais, acesse o site do 80 Minutos.
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