O conselho de Nick Cave para artistas desinspirados diante da crueldade do mundo
Por André Garcia
Postado em 26 de fevereiro de 2024
Países ao redor de todo o mundo vêm passando por momentos difíceis nos últimos anos, como o desemprego e a inflação — ainda mais desde que o covid-19 provocou a maior crise sanitária do século. Muitos de nós nos equilibramos sobre uma corda-bamba emocional, nos esquivando da depressão, da ansiedade e do burnout para ter o que comer e onde morar. Como se não bastasse, cenas de ódio, guerra, morte e violência seguem acontecendo de forma alarmante, desesperadora.
Artistas, seres sensíveis por natureza, muitas vezes são afetados por tudo isso e se pegam sem motivação ou inspiração para criar. Conforme publicado pela Far Out Magazine, em seu site, o cantor e compositor Nick Cave (famoso por sua mistura de folk, música clássica, gótico e post punk) recebeu uma mensagem de dois fãs aflitos.
"As musas [da inspiração] me abandonaram e eu perdi toda a motivação para criar", escreveu o primeiro. "[Não sei] como me reconectar ou reconciliar à arte em um mundo feito de guerra e crueldade. Que diferença faz pintar um maldito quadro?", escreveu o segundo.
A resposta de Cave ao primeiro foi um necessário chacoalhão verbal.
"O que torna nosso trabalho em específico tão excepcional a ponto de exigir inspiração ou uma musa para realizá-lo? Somos artistas e trabalhamos a serviço dos outros. Não é algo que fazemos apenas se e quando nos sentimos motivados: criamos porque é nossa responsabilidade fazê-lo. Nesse aspecto, nossa ocupação não difere daquelas da maioria das pessoas. Será que um adulto comum só vai para o trabalho quando estiver com vontade? Os médicos? Os trabalhadores braçais? Os professores? Os motoristas de táxi?"
"Temos o dever de fazer nosso trabalho", acrescentou, "assim como todos os outros, porque o espaço que ocupamos depende de nossa participação — e isso se desfaz se deixarmos de fazer. Um artista comprometido não pode se dar ao luxo da revelação. A inspiração é a indulgência indolente de quem se dedica a isso. As musas [...] são para os perdedores!"
Já ao segundo, ele respondeu: "A ideia de que você não pode pintar porque o mundo é 'feito de guerra e crueldade' deve ser a desculpa mais esfarrapada e fraca para não trabalhar que já ouvi [...]. Que diferença faz pintar um maldito quadro? Ele ajudará porque a arte é a resposta nobre e necessária para os pecados do mundo. [...] Se quisermos nos considerar artistas, devemos evitar desculpas e fazer nosso trabalho."
"Sim, o mundo está doente e pode ser cruel, mas seria muito mais doente e muito mais cruel se não fossem os pintores, cineastas e compositores — os criadores de beleza — que se debruçam sobre o sangue e a sujeira das coisas, enquanto alcançam o céu para atingir seus próprios céus", concluiu.
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