Crust: o outro lado da moeda
Por Ricardo Cunha
Fonte: esteriltipo
Postado em 28 de maio de 2018
"Crust é talvez um dos estilos musicais mais suburbano que existe"
É possível um meio termo entre os dois lados de uma mesma moeda? A resposta é simples e natural: Não! Dessa forma, a série sobre a origem do Hardcore nos trouxe a um estilo que compartilha de muitos ideais, mas que consegue ser ainda mais radical e, por vezes, mais brutal:
O Crust é talvez um dos estilos musicais mais suburbano que existe, consegue ser o underground do underground. Até mesmo mais seletivo que o Grindcore. Sendo uma subcultura ou contracultura [sendo] praticamente desconhecida fora da cultura Punk, Metal ou do meio dos Squatters.
A sua origem é remota e pouco definida. Inicialmente rotulada como Stenchcore (instinct of survival) rapidamente adaptou-se o termo Crustcore ou pura e simplesmente CRUST. O termo que surge através da banda DEVIATED INSTINCT que editou a demo "Terminal Filth Stenchcore" mesmo antes de chegarmos a meio da década de 80. Quanto ao termo "Crust" surgiu pela demo-tape dos Hellbastard intitulada "Ripper Crust". Outra banda que é considerada os pais do Crust Punk são os Amebix em que o seu álbum ARISE [seja] considerado um dos primeiros álbuns a definir este estilo sujo e corrosivo.
O CRUST é musicalmente influenciado pelo metal como Motorhead e pelos primórdios do Black Metal (Venom, Hellhammer e Celtic Frost, músicas como "Into The Crypt Of Rays" são autênticas referências de Crust quer a nível de afinações e riffs de guitarra, quer a nível de batida e tempos de bateria), mistura influências de Grindcore (Repulsion – primeira banda de Grindcore, surgiu em 1980, voltaram ao ativo ha dois anos, em 2005) e obviamente do Punk (Discharge). Sempre foi mais semelhante ao extremismo do Grindcore mas diminuto nas estruturas tecnicista musicais do metal.
Estilo musical muito peculiar e único, tendo [várias] variantes. Podendo ir do CRUST rápido e furioso (Disrupt) ao lento melódico com toques de melancolia (Wolfpack). Os termos Crust (Doom), Crustcore (Uncurbed), D-Beat (Meanwhile), Crustpunk (Anti-cimex) servem para definir esse tipo de vertentes musicais, consoante a influência (mais Metal (S.D.S.) ou mais Punk (Dischange) que os músicos querem dar á sua expressão musical. Explorando inclusive vertentes mais Sludge como fazem os CounterBlast, Zygote, Grief, Dystopia ou Eyehategod.
A vertente D-beat (Disaster) designa uma batida na bateria a meio tempo. O nome deriva da banda britância Discharge, que definiu esse estilo. Há a opinião de que o nome D-beat vem das bandas de Punk que começavam com 'Dis' para homenagear os Discharge como: Disfear, Disclose, Disgust, Disarm, Disbeer, Disrupt, Diskonto, etc. Inclusive seguiam o estilo até nas capas dos álbuns, com fotos de guerra em preto e branco.
Sendo a versão mais extrema do Punk, o contexto das letras do CRUST não podia deixar de ser niilista, tudo é referido no que seja sobre o lado podre, negro e hipócrita da humanidade. O CRUST será sempre anti-racista e anti-militarista. Tópicos como destruição nuclear, direitos dos animais, igualdade, squats, religião, apocalipse, poluição massiva, guerra, meio ambiente são muito usados para exteriorizar toda a raiva na vocalização agressiva e suja do gênero.
Aos olhos da sociedade, a cena Crust Punk a nível mundial, generalizando, é conhecida pelo seu extremismo político, a vida nos squats em edifícios abandonados e a resistência em procurar empregos pode ser equiparada ao que Murray Bookchin chamou de " estilo de vida anarquista "!
A faceta mais infame da personagem que vive o estilo de vida do Crust é talvez o lado da higiene, havendo comunidades em que se recusam a tomar banho (ou tomar o mínimo de vezes possível) e no caso das mulheres que não rapam qualquer zona do corpo onde cresça pelos. Isto pelo simples fato de não quererem colaborar com as industrias cosméticas (que [aproximadamente] 99% [delas] praticam experimentação [com uso de] animais) e também por assim conseguirem ter um tipo de vida livre de toxinas e químicos usados na higiene pessoal. Assim como também se trata de viver ao contrário das normas sociais e de se ter um estilo de vida diferente aos hábitos dos quais a maior parte das pessoas estão acostumadas. Praticam majoritariamente o modo de vida vegetariano ou vegano indo de encontro á sua obstinada preocupação ambiental.
Os/as Crusters consideram-se ateístas e são inspirados pelo ideal 'no gods, no masters' referem-se á total descrença em qualquer Deus ou entidades divinas. Há no entanto Crusters que adaptam a postura espiritual pagã no sentido de ausência de credibilidade de um profeta e pela sua ligação á natureza, ambiente do planeta terra chegando a aproximarem-se a uma forma de pensar semelhante á dos índios nativos norte americanos.
Pela mesma razão ambiental e gosto de contato com a natureza é frequente encontrar em quase todas as comunidades o uso regular da bicicleta quer como meio de transporte, quer por desporto e lazer. Tornando-se uma imagem de "marca" do meio, representa uma alternativa ao consumismo, a liberdade individual e uma "rebeldia" contra o meio citadino onde imperam os carros e a consequente e sufocante falta de espaços de lazer em prol das suas poluentes viaturas.
No inicio os fans de Crust (Crusties) e ao contrário dos Punks não usavam cores nos seus spikes, todos vestidos de preto, roupas rasgadas e cheias de patches impressos por serigrafia. Desenhos brancos sob fundo preto é o mais vulgar [comum]. A postura ética das bandas Crustpunk defende a prática da ação DIY (Do It Yourself; em português, "Faça Você Mesmo") criando desta forma uma rede própria de gravação/distribuição/produção/divulgação, onde o correio, internet, concertos [shows] ou qualquer outro tipo de reuniões/encontros sejam os únicos meios possíveis de chegar ao material produzido em reduzidas quantidades. Sejam as roupas, os discos, as zines, tudo torna-se numa edição limitada e praticamente disponível temporariamente e restringida localmente! Excluindo algumas edições que têm uma distribuição maior e mais alargada onde, pelos seus meios, conseguem chegar a mais gente.
O meio de troca é vulgarmente utilizado como "moeda" alimentando o espírito e a atitude alternativa DIY, conseguindo assim manter-se em paralelo ao "mainstream" comercial da industria vulgar [comum] da sociedade.
O movimento CRUST, tal qual o de grindcore, NÃO É elitista, sendo motivador da livre expressão pessoal. Qualquer um é livre de agir, vestir, ouvir, pensar e expressar como bem entender. Apesar de se encontrar os "fieis" seguidores ao espírito do movimento, ninguém é discriminado por ouvir este ou aquele tipo de música, vestir chinelo ou bermuda, ler BD ou ter o cabelo raspado ou comprido com tranças freaks. A ideia do Crust é também defensora do ideal da mentalidade aberta (Open Mind) e horizontes alargados.
Musicalmente ou filosoficamente assimila e deixa-se influenciar um pouco por todas as vertentes existentes no underground, mas conseguindo manter-se fiel as suas raízes sócio-políticas. Tornando-se numa cultura mais rica seguindo um caminho que nunca se esgota e que constantemente se renova.
Este texto tem o intuito de dar a conhecer, enriquecer a sua cultura musical e divulgar o estilo de som e o seu modo de vida (pra alguns). Pesquisa o nome das bandas, ouve as musicas, lê as letras (quando possível) e cultiva-te !!!! Aconselho vivamente a ouvir as raízes, as demos de Deviated Instinct, Amebix, Antisect e Hellbastard.
Maiores nomes do Crust pelo mundo:
Alemanha: Cluster Bomb Unit, Immured, Instint of Survival, Mönster, Accion Mutante;
Bélgica: Hiatus;
Brasil: Diskontroll, Acid Rain, Olho Seco, Kuolema, Under the Ruins, Death From Above, Desastre, Ulster, Contraste Bizarro, Securitate, Social Chaos, Disarm, Scum Noise, Gritos de Alerta, Diagnose;
Canadá: Inepsy, After the Bombs, Kontempt, Twisted System;
Eslováquia: Beton, Dead is Sexy;
Eslovênia: Hell Patrol, Anaeroba;
Espanha: Ekkaia, Besthoven, Holocaust in your Head, Totälickers, Black Panda, No Conform, Ö.B.N.I., Disease, Unsane Crisis;
Estados Unidos: Final Conflict, Misery, Sanctum, Code13, Tragedy, Detestation, One Nation Under God, Hellshock, Holokaust, Deathtoll, Disrupt, From Ashes Rise, Stormcrow, State of Fear, Wartorn, Destroy, Severed Head of State, World Burns to Death, Genocide SS, Aus Rotten;
Finlândia: Riistetyt, Força Macabra, Kuolema, Selfish;
Grécia: Anasa staxti, Valpourgia nixta, Omixli(crust-oi), Xeimeria narki, Ksexasmeni profiteia, Xaotiko telos, Xaotiki apeili, Sigxisi, Xamena idanika (crust-grind), Apoxetefsi;
Holanda: Visions of War, Sangre;
Inglaterra: Doom, Extreme Noise Terror, Disgust, Disarm, Extinction of Mankind, Amebix, Antisect, Discharge, Deviated Instinct, Bait, Nausea, Raw Noise, Hellbastard, Concrete Sox, Meinhof;
Itália: Giuda, Berserk;
Japão: S.D.S., Beyond Description, From Beyond, Church of Misery (sludge crust BRUTALLL !!!), Battle of Disarm, Unholy Grave, Gauze, Lipcream, Confuse, C.F.D.L., DON DON, Bastard, Abraham Cross, Disclose, Burial;
México: Phobia, Life Extinction, Disturbio;
Noruega: Summon the Crows, Ingen Utvei;
Peru: Dios Hastio;
Polônia: Trocki, Infekcja, Mind Pollution;
Portugal: Subcaos, Simbiose, 100 Talento, Sem Cura, Deskarga Etilika, Freedom, Spitzbuben, Reltih, porcos sujos;
Republica Checa: Guided Cradle;
Singapura: Distrust, Minus, General Enemy;
Suécia: Wolfbrigade, skitsystem, Driller Killer, Anti Cimex, Disfear, Massmord, Bombstrike, Avskum, Victims, Meanwhile, Uncurbed, Diskonto, Auktion (crust'n'roll banda 90% formada por mulheres), No Secutity, Disarm, Shitbreed, Counterblast;
Suíça: Fear of God;
Venezuela: Los Dollares
Referências: reproduzido de Cultura em Peso (agradecimento especial: Cremo); revisão/Adaptação: Ricardo Cunha.
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